Monday, May 21, 2007

um pouco de brasil – introdução (I)

Caso me perguntassem o que é a Cultura Brasileira, eu me encheria de vírgulas e detalhes para não chegar em ponto final algum; não que essa objetividade seja necessária. Mas é complicado falar sobre um país continental, que extrapola a Linha do Equador e o Trópico de Capricórnio. E a pergunta levou-me ao chão simples e vasto dos brasileiros: Porque ‘cultura brasileira’ com letras minúsculas? Antes dessa pergunta, eu poderia, no máximo, refletir sobre Culturas Brasileiras, mas trocar o substantivo próprio pelo comum é o caminho para se construir um discurso mais sincero, para iluminar as curvas de como vive e se relaciona o povo brasileiro; e no singular mesmo, até porque um dos desafios de se estudar cultura brasileira é reconhecer aquilo que faz de todas as pessoas que vivem no Brasil serem reunidas num grupo denominado brasileiro.

um pouco de brasil – de três raças (II)


Então, que povo brasileiro é esse? Numa música, o poeta Vinícius de Moraes diz: “Venho de três raças muito tristes e eis porque viver tanto me dói, mas não tenho, não, qualquer vocação para ser herói”. Somos a mistura dos povos indígenas, português e africano. Africanos e indígenas são classificações muito amplas, os negros africanos vieram de uma região central daquele continente, e os índios, esses sim, estavam espalhados pelo Novo Continente. Já, ao afirmar a influência do povo português, ao invés de dizer europeu, fica claro que temos uma influência européia, mas uma Europa menos fechada, uma Europa que tinha o litoral como parte de seu território, uma Europa que desejava sair para o mundo disposta a explorá-lo e conhecê-lo. Essa mistura levou a uma realidade social curiosa, na qual o branco se impunha sobre as outras raças, mas dependia delas. Criou-se uma relação familiar, com o branco português como chefe da casa. Hoje, no Brasil, reforça-se a idéia de um país mestiço, principalmente no discurso dos brancos, reforça-se a idéia de um país sem preconceito. Porém, os que são negros, ou 'mais pra negros', sabem que não são tratados como mestiços (em igualdade de respeito em relação aos ‘mestiços mais pra brancos’), quando isso não interessa ao branco. Portanto, tem-se no Brasil a moral de um país divido entre os ‘mais pra brancos’ e os ‘mais pra negros’. Tanto é, que qualquer discurso negro que reforce sua raça, como faz o hip-hop, é visto como uma postura radical. Num rap do grupo Racionais Mc’s, há um trecho que seria a voz de um policial dizendo “Escuta aqui, o filho do cunhado do meu primo é mestiço, racismo não existe, comigo não tem disso, é pra sua segurança”. E, na seqüência da música, o rapper Mano Brown responde: “deixa pra lá, vou escolher em qual mentira devo acreditar”.

um pouco de brasil – mulher (III)

Esse patriarcalismo que o português impôs aos outros povos reflete até hoje na sociedade brasileira também na relação homem-mulher. Ao homem cabe o poder, a força, a razão, e tudo isso eu, Pedro, sempre desconfiei. Mas aprendi que à mulher, classificações como sexo frágil ou aquela que se pauta pela emoção são formas de se construir uma mulher dependente em relação ao homem; dependência como seria a do africano e do indígena em relação ao português. Mas a palavra final, na sociedade brasileira, dentro do ambiente familiar, é da mulher, os problemas íntimos sempre caem no colo da mulher brasileira, responsável por solucioná-los. O homem vende aos outros homens um poder sobre a mulher, e os outros homens sabem que precisam comprar esse juízo, afinal eles também querem que os outros homens o vejam assim também. Mas é saudável notar que com o crescimento das grandes cidades, pesou à mulher a responsabilidade de educar os filhos sozinha, pesou à mulher o cargo de chefe de família, mas a elas, no fundo, isso não foi um peso, sobre elas sempre pesou essas responsabilidades, mas, antes, o homem, quando saía de casa com sua família, fazia questão de ser o porta-voz da casa, por mais que no ambiente familiar não o fosse.

um pouco de brasil – suicídio (IV)

Outra bomba sobre um Brasil: o suicídio. Apesar de conhecer pessoas próximas que deram fim à sua própria vida durante à juventude, recusava-me, de forma cega, a enxergar nisso um traço que também tem se feito presente na rotina brasileira. Porque, na visão ‘gringa’ do brasileiro, nós amamos viver, apesar de todas as mazelas nos entregamos ao carnaval, ao futebol e à cachaça, e, assim, vencemos e passamos pelas amarguras. Mas, como disse Vinícius de Moraes, viver dói aos brasileiros, por isso o povo se transborda, e esse transbordamento se dá muito porque a tristeza está sempre por bater na porta dos brasileiros e o povo luta para não se entregar à miséria que a vida tenta lhe impor. Porém descobri que no sul do país a rotina do suicídio existe, e se matar não é um ato covarde. Portanto, mais do que entender sobre o suicídio – talvez a proximidade com essa violência ainda me cegue – posso reforçar a questão da honra, da masculinidade no Brasil. Por debaixo das mortes dos gaúchos grita um direito masculino de querer ser mais forte que a vida, e talvez os brasileiros sejam mais fortes que a vida muitas vezes. A vida que desmorona com as chuvas, que se petrifica na seca, e que nos gaúchos, envelhece. É claro que a resposta de cada brasileiro à dor da vida é uma, uns insistem em vencê-la pela insistência em viver, como é o exemplo dos moradores das favelas, outros, porém, insistem em vencer a vida acabando com ela antes que ela acabe com a dignidade humana, como é o caso dos gaúchos. Essa dignidade significa a juventude, significa ser forte para vencer tudo e todos, e vencer a vida quando ela começa a tomar as rédeas.

um pouco de brasil – risco (V)

Afora a revelação desse tipo de suicídio entre os gaúchos, há outras formas dos homens de lidar com a vida: o risco, por exemplo. O risco que faz de médicos, fumantes, que faz as pessoas transarem sem usar camisinha, que é também o risco aparentemente gratuito dos esportes radicais. Penso comigo: “Sou desses que, se não desandar, têm a vida ganha, então porque, não raras às vezes, me exponho aos riscos gratuitos, e o faço sem culpa, ao contrário, faço com e pelo prazer?” E vi que a resposta estava na própria pergunta: é no transbordamento que está a vida. O risco, se se realiza, é acidente e acidentes são inevitáveis, não adianta usar cinto de segurança, capacete, preservativo, porque se tiver que dar errado, a camisinha estoura – vive-se como se houvesse um transcendental inexorável. O risco é incorporado como inevitável, pouco adianta lutar contra. Mas, talvez, a graça da vida seja vencer os riscos, se expor e seguir adiante. É todo dia se matar um pouco com um trago e, ao primeiro que lhe falar sobre o risco, responder: “E seu eu for atropelado num ponto de ônibus? Vou perder o prazer desse trago à toa”. Antes disso, perguntei a um amigo, ao vê-lo com um capacete na mão, se ele queria morrer, se não sabia que a moto foi feita pra cair, afinal, “só tem duas rodas” e ele me respondeu: “Morrer, eu num quero, não, mas se tiver chegado a minha hora...” Sozinho nos meus pensamentos, me lembrei disso e ri comigo mesmo.

um pouco de brasil – o mito da “miséria do homem primitivo” (VI)

E outra vez o óbvio que passava pelas janelas dos meus olhos, que eu via, reconhecia, mas não “materializava”. Nas minhas viagens, sempre preferi lugares isolados, pouco afetados pelo homem, ilhas, praias desertas, montanhas, mas nunca tinha parado para pensar, de um jeito sóbrio, sobre a lenda da “miséria do homem primitivo”. Eu tenho alguma relação de identidade com o povo africano, e isso me dá o sentimento de que o ideal está no passado, porque se hoje estamos aqui é porque o passado ao menos funcionou, e pensava isso porque todos os dias gritam os jornais e os esgotos que nossa sociedade ‘civilizada’ caminha para uma veloz e voraz extinção. Mas até aí, ainda assim, não tinha tornado sólido a reflexão de que vivemos numa sociedade que educa de modo a formar uma idéia na qual o presente é melhor do que o passado, que no passado os homens viviam a miséria das chuvas, das secas, das fortes ondas de calor e de frio e, vende ainda, que o homem era totalmente frágil para enfrentar essas vicissitudes. Argumentos não faltam a eles, hoje vivemos mais, temos uma infinidade de aparatos tecnológicos, a medicina garante uma enorme sobrevida. Porém, o que garante essa miséria no passado do homem? Por que esse discurso é um discurso embasado em vitórias da ciência, mas essa mesma ciência, como um câncer, se consome. O avanço científico das descobertas sobre as vidas “primitivas” levam a crer que não se morria de fome, que o homem não se matava por espaço, que não havia dominação absoluta de um povo sobre outro. Enfim, a ciência caminha para descobertas que revelam que a miséria do homem está aí hoje em dia, e quem criou as mazelas que hoje tentamos vencer foi o próprio homem.